Não importa o espaço, a discriminação contra LGBTs pode vir a acontecer em qualquer lugar e de diversas formas – sejam elas mais sutis ou agressivas – isso é o que mostra uma pesquisa realizada por Janaína Goularte, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com mais de 65% afirmando terem sofrido algum tipo de discriminação, a pesquisa traz à tona a realidade do ódio contra a comunidade em estabelecimentos comerciais do Brasil, e mostra que, mesmo com avanços legais, a discriminação contra LGBTs permanece forte.
Janaína, que também é professora do Departamento de Administração da UFSC, está realizando uma nova tese sobre esse assunto, dessa vez focada na discriminação contra LGBTs em Florianópolis.
Em entrevista ao Floripa.LGBT, ela contou sobre as descobertas de suas pesquisas até o momento e o que isso revela sobre a discriminação contra LGBTs nesses ambientes.
Apesar de ser conhecida como uma cidade LGBTfriendly, Florianópolis ainda é o 7° munícipio com mais mortes violentas de LGBTI+, segundo dados do Observatório de Mortes e Violência contra LGBTI+ no Brasil.
Assim, mostrando, uma contradição com a ideia de que a capital é um local seguro e amigável para o público LGBT+, e se refletindo em diversos tipos de violências, explicitas e menos explicitas, contra a comunidade, o que também inclui espaços como lojas e comércios.
De acordo com as pesquisas realizadas pela doutoranda, consumidores têm sido alvo frequente de discriminação contra LGBTs em lojas, restaurantes e estabelecimentos variados.
E sua motivação para conduzir essas pesquisas – tanto a que já foi feita sobre o cenário no Brasil, quanto a que está em andamento sobre Florianópolis – é a de destacar estratégias de enfrentamento e políticas públicas e empresariais para enfrentar a discriminação contra LGBTs.
Dessa forma, a pesquisa em andamento visa documentar e entender esses episódios de discriminação contra LGBTs, dando voz a consumidores que foram excluídos, humilhados e discriminados.
“Eu me senti para baixo (…) passei a noite inteira febre, nervoso e com angústia”, disse Augusto Adriano em junho deste ano, após ter sofrido LGBTfobia em uma loja de telefonia no Centro de Florianópolis.
Augusto, que é árbitro de futebol, estava aguardando atendimento na loja junto com seu namorado, quando um homem entrou no estabelecimento e afirmou que não iria dividir espaço com homens gays na loja.
Após quatro meses do ocorrido, Augusto relatou ao Floripa.LGBT sobre o que mudou para ele depois do caso de LGBTfobia. Segundo ele a sua relação com espaços comerciais mudou:
“Eu acho que a gente tem que ser quem a gente é, mas depois do acontecimento eu mudei muito mesmo. Até então quando saio com meu esposo, a gente não sai mais de mão dada, porque a gente vive no mundo que não aceita nossa sexualidade”, disse.
Os tipos de discriminação
De acordo com a pesquisadora em seu artigo “Do explícito ao sutil: existe discriminação percebida pelo consumidor LGBTI+ no Brasil?” existem três tipos de discriminação contra LGBTs:
- Discriminação explícita: Aquela que abrange manifestações claras e evidentes de discriminação contra LGBTs como agressão verbal, humilhação, gestos e olhares ofensivos e ataques físicos ou verbais;
- Discriminação no nível de serviço: Quando um cliente experimenta um nível de atendimento pior que o de outros cliente de um grupo não estigmatizado, pior qualidade, preços mais altos e negação do serviço;
- Discriminação sutil: Ambígua e indireta, difícil de perceber pelas pessoas ao redor, mas facilmente percebida por quem recebe.
Em outro artigo de Janaína, “Discriminação Percebida e Consequências Emocionais da LGBTQIA+fobia no Consumo no Brasil”, que também complementa a discussão do tema, foi feita uma pesquisa demográfica pra atender os tipos de agressão mais sofridas pelo público LGBT+.
Entre alguns dos dados reveladores do artigo estão o de que 28,6% das pessoas entrevistadas sofreram agressão verbal por parte dos funcionários em algum grau, 31,5% identificou que os funcionários ofensivos e 31% que houve algum tipo de ocorrência explícita de discriminação.
Já na área da discriminação em nível de serviço, as ocorrência mostram-se superiores a explícita, por exemplo:
- 43,4% das pessoas entrevistas sentem que tiveram um nível de atendimento inferior em virtude de serem LGBT+;
- 45,3% sentiram em algum grau que os funcionários não atendem suas necessidades os problemas;
- 46,2% afirmaram ter que esperar mais para ser atendido.
No entanto, os maiores números vem da discriminação sutil que os entrevistados sentiram: 44% sentiram um tom grosseiro e discriminativo por parte dos funcionários, 63,9% afirmaram que a forma de olhar dos funcionários foi depreciativa de algum modo e 65,8% percebem várias formas sutis de discriminação.
“A discriminação sutil é a mais aparente, e isso está ligado a legislação. Porque a discriminação explicita consegue ser comprovada, já a sutil não. E ela é a que tem mais aparecido nas relações de consumo”, afirma Janaína.
Estratégias contra discriminação
Um dos pontos levantados também mapeado pela pesquisadora é as estratégias que as pessoas LGBT+ costumam utilizar para enfrentar situações de discriminação.
Segundo ela quando algum membro da comunidade sofre discriminação sutil nas relações de consumo, eles geralmente usam estratégias focadas na emoção ou evitação.
“Na emoção é o boca-a-boca negativo com outras pessoas ou redes sociais, buscar apoio de amigos, família e organizações de defesa da comunidade. Mas principalmente administrar essas emoções negativas associadas ao episódio”.
Além disso ela aponta outra estratégias como abandonar o local, ignorar a situação ou passar a comprar em outros estabelecimentos mais amigáveis. Mas a principal que Janaína observou foi é de “evitação”, que se consiste na pessoa se comportar conforme o padrão heteronormativo para evitar discriminação.
Já quando a discriminação contra LGBTs é explicita, as estratégias principais são ação judicial é reclamação formal junto com a empresa, bem como boicote ou protesto nas redes sociais.
Essa estratégia foi utilizada por Augusto, após ter sofrido discriminação na loja de telefonia, o árbitro de futebol foi até a Delegacia fazer uma ocorrência, mas afirmou que o processo após o registro da ocorrência é muito demorado e não teve resultado até o momento. “Nossa Justiça hoje é terrível, para contar com eles eu acho que é muito demorado”, afirmou Augusto.
As consequências da discriminação contra LGBTs para consumidores e comércios
A discriminação contra LGBTs em espaços de consumo vai além da experiência pessoal e emocional. A pesquisadora indica que essas situações podem gerar impactos econômicos significativos para os próprios comércios.
Consumidores LGBTQIA+ tendem a evitar locais onde já sofreram ou presenciaram atitudes homofóbicas e muitas vezes compartilham suas experiências negativas em redes sociais, gerando uma repercussão que pode prejudicar a imagem do estabelecimento.
“Independente do tipo de discriminação contra LGBTs, a gente sabe que ela gera uma série de emoções negativas que afetam bem estar e saúde psicológica das pessoas. Além de comprometer a questão da satisfação e da qualidade da jornada de consumo. Em casos extremos elas podem levar até a atitudes suicidas. Então, isso vai muito além da lucratividade, pode se tornar um problema de saúde pública”, explica Janaína.
A pesquisa que está sendo realizada sobre os comércios de Florianópolis, é um alerta para a importância de criar ambientes acolhedores para a comunidade LGBTQIAPN+. Desse modo, a existência de dados concretos são subsídios para a criação de políticas públicas e empresariais mais inclusivas, segundo a professora da UFSC.
“Quando eu conecto essa discriminação percebida com estratégias de enfrentamento, eu destaco a necessidade urgente de estratégia que promovam a diversidade e equidade no mercado de consumo”, pondera.
Apesar disso, Janaína Goularte relata que as pessoas que sofreram discriminação às vezes tem medo que sua identidade seja revelada. Por isso, muitas vezes elas não participam da pesquisa, o que diminui a coleta de dados e faz com que tenha uma subnotificação.
Para participar da pesquisa sobre “Discriminação nas Relações de Consumo e as Estratégias de Enfrentamento de Pessoas LGBTI+”, basta clicar aqui e preencher o formulário.
* Sob supervisão de Danilo Duarte