Um turista afirma ter sido vítima de agressão física na Praia da Galheta, em Florianópolis. A agressão aconteceu no último domingo (4) e o motivo, segundo ele, seria por homofobia por parte de outros frequentadores. Este não é um crime isolado. O Floripa.LGBT teve acesso a três relatos semelhantes. Os ataques e a violência reacendem o debate sobre a prática de nudismo na Praia da Galheta.
Embora a legislação sobre o assunto não seja clara, a prática de nudismo não está mais expressa oficialmente. Isso acontece desde 2016, quando foi revogada a lei que existia desde 1997.
O Parque Municipal da Galheta foi criado em 1990, com o objetivo de preservar a região e permitir pesquisas científicas e de turismo ecológico. Já em 1997, uma mudança na redação passou a deixar claro que estava autorizada a prática do naturalismo.
Apesar disso, um novo texto foi aprovado em 2016 e alterou as duas leis anteriores. Com isso, o parque municipal da Galheta passou a ser categorizado como uma Unidade de Conservação Municipal. A mudança mais drástica, no entanto, foi que a prática do naturismo ou nudismo deixou de ser autorizada.
Desde então, nenhuma campanha de conscientização ou mesmo esclarecimento foi prestado pelo poder público, deixando moradores e turistas que frequentam a praia da Galheta desinformados.
Vale lembrar que até então, a praia da Galheta era considerada uma das raras praias onde o nudismo e o naturismo são permitidos. Desde 2016, com a queda dessa permissão, a Galheta ficou de fora deste ranking de pontos turísticos. E agora, entra no ranking dos locais de perseguição, agressão e violência contra quem pratica o nudismo, inclusive pessoas LGBT+.
Na última semana, até placas de sinalização começaram a ser instaladas na região da Galheta, citando que ali não é mais um espaço de naturismo/nudismo. No entanto, a Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente), órgão responsável pela gestão do espaço – segundo a lei 10.100/2016 -, afirma que desconhece a origem dos materiais.
Uma reunião extraordinária do Conselho Gestor da Galheta está agendada para esta terça-feira (6), às 18h30, na sede da Polícia Militar Ambiental, que funciona dentro do Parque Estadual do Rio Vermelho (Paerve). O encontro deve discutir sobre a manutenção da permissão ao naturalismo na praia da Galheta.
Relatos de agressão e violência na Praia da Galheta
O Floripa.LGBT teve acesso a três relatos recentes de perseguição, agressão e tentativa de lesão corporal contra pessoas LGBT. Os dados foram repassados pelas ONG Associação Amigos da Galheta (AGAL), que tem mais de 30 anos em defesa do naturismo na Galheta, e Acontece Arte e Política LGBTI.
Um dos casos mais recentes aconteceu no último domingo (4), o turista do Paraná conta em detalhes sobre as ameaças, tentativas de lesão corporal e LGBTfobia:
“Tudo foi bem rápido. Eu tava na trilha quando começo a ouvir gritos e pedidos de socorro. Segundos depois, a pessoas começaram a correr desesperadas em direção à saída. Entre elas, consegui perceber um rapaz que parecia estar o com o dedo mínimo seriamente machucado, de relance parecia até uma fratura exposta, mas eu simplesmente não o vi mais.
Em seguida, vieram os dois com camisetas no rosto e pau nas mãos, no momento em que os vi não falavam nada, só tentavam acertar a gente. Acertou um rapaz logo do meu lado, mas eu mesmo consegui desviar e não fui acertado.
Já quando esse grupo maior de pessoa foi expulso da área da trilha, os dois ficaram como de ‘porteiros’ e gritando que o ‘motel dos viadinhos’ tinha acabado. Eu fiz de que ia em direção a eles, daí eles entraram na trilha falando ‘entra aqui, viadinho’, mas, logicamente, não entrei até porque eu estava desarmado e sozinho.”
Em outro relato, no sábado (3), o frequentador da Praia da Galheta conta que chegou por volta de 9h, junto de um amigo, com poucas pessoas na praia e que passa a contar o que aconteceu ao adentrarem no mar, com a chegada de um surfista de “aparentemente entre 30 a 40 anos”, segundo ele:
“Veio surfando pra área rasa onde estávamos banhando, meio que jogou a prancha em cima de mim”. (…) “Imediatamente ele com expressão de raiva falou ‘ei aqui na galheta NÃO é mais permitido ficar sem roupas, vistam suas roupas!!’. Olhei para praia e já tinha mais pessoas, e muitas delas já estávamos nus.
Eu então questionei o surfista: ‘o problema é estarmos nus ou é por sermos 2 homens nus e não duas mulheres?’ Ele ficou de cara fechada e não falou mais nada! Saíram de perto! Resolvemos então procurar informações pois eu fiquei assustado com a intimidação sofrida pelos surfistas!
Perguntei a um funcionário de um quiosque (…) e contei o ocorrido, o mesmo me explicou que não era verdade o que eles tinham falado e que sim, podíamos ficar a vontade sem roupas na praia. Me falou também que estes mesmos surfistas vem dando problemas ao frequentadores da praia e que já foram relatados de ameaças e que os mesmo estão espalhando cartazes para que não fosse permitidos pessoas nu na praia. de certo me deu um certo receio sobre isso, foi muito chato isso, e fico pensando ate onde isso pode ir, essas pessoas são perigosas e foi muito claro a homofobia ali !”
O terceiro relato detalha alguns dos supostos agressores, que rondam a Praia da Galheta:
Estava descendo a trilha pra chegar ao mar, tinha um casal e mais um rapaz logo a frente, Eu estava descendo e vi que tinha dois rapazes, um de bermuda rosa, estilo surfista, (…) com uma camisa preta no rosto, como se fosse uma toca pra tampar o rosto. O outro rapaz estava de bermuda cinza, mais magro, cabelo preto. Quando estou descendo, vejo eles berrando algo. O de bermuda rosa estava com um pau na mão e acertou um menino, só que não consegui ver quem era o menino. Voltei e avisei as pessoas que estavam descendo também. Foi tudo muito rápido!”
Em todos os casos, é necessário que a vítima vá até a delegacia de polícia para registrar o boletim de ocorrência, já que o registro online, feito pela Delegacia Virtual (ferramenta que permite o registro online de BOs), exige o nome de quem está sendo denunciado.
ONGs denunciam perseguição na Praia da Galheta
Antes dos mais recentes episódios de agressão e violência na Praia da Galheta, as ONGs AGAL (Associação Amigos da Praia da Galheta) e Acontece Arte e Política LGBTI+ divulgaram uma carta-denúncia em que relatam o clima de insegurança e citam uma “milícia” se formando na região.
Confira trechos do manifesto (leia na íntegra aqui):
Tememos que as investidas violentas do grupo, que se formou como verdadeira milícia, agravem os já seríssimos problemas da Galheta.
Nosso receio é que, consciente ou inconscientemente, estejam facilitando o que vem a seguir, isto é, a maior das violências, qual seja, os ataques especulativos dos interessados na exploração imobiliária da região.
Agir como milícia, usar a violência como método, só prejudicará a defesa do meio ambiente na Praia da Galheta e seu entorno, um dos objetivos do naturismo e da existência da AGAL – Associação Amigos da Praia da Galheta.
O grupo que se propõe fazer “justiça” com as próprias mãos, tem como alvo, não só os que tiram a roupa na praia da Galheta. Práticas como essa dirigem sua violência também para as pessoas LGBTI+, mulheres e pessoas idosas, as mais afetadas pelo ódio à liberdade.
Esse tipo de violência dissemina o sentimento de insegurança entre os usuários que usufruem da Praia da Galheta, com seus objetivos de destruição, falso moralismo, especulação imobiliária e o fim da liberdade dos corpos.