As mudanças da nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada há pouco mais de um mês, tem sido criticadas por profissionais de saúde e ativistas pelos direitos da população trans.

A resolução nº 2427 veta a prescrição de bloqueadores hormonais para tratamento de incongruência ou disforia de gênero em crianças e adolescentes, o novo texto também prevê idade mínima para terapia hormonal cruzada, que passa a ser permitida somente a partir dos 18 anos.
As cirurgias de redesignação de gênero também estão vetadas para pessoas com menos de 18 anos e, em casos em que o procedimento possa implicar efeito esterilizador, com menos de 21.
O texto também determina que pessoas trans, travestis e não binárias que conservam os órgãos correspondentes ao sexo masculino devem ser acompanhadas por um urologista, enquanto aquelas que mantêm órgãos correspondentes ao sexo feminino devem ser acompanhadas por um ginecologista.
Mudanças podem impor barreiras de acesso ao SUS para população trans
Para Beo Leite, farmacêutica e doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), as mudanças do CFM impõem barreiras para pessoas trans acessarem o SUS.
Ela argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante autonomia para crianças e adolescentes a partir dos 12 anos nos serviços de saúde, sendo públicos ou privados.
“Temos a Política Nacional de Saúde LGBT que garante o acesso das pessoas ao Processo Transexualizador e agora estamos embarreirando esse acesso”, afirma Beo.
A pesquisadora também destaca o acesso facilitado aos hormônios utilizados para hormonioterapia cruzada, especialmente para meninas trans e travestis.
Ela aponta que não há necessidade de prescrição médica para comprar os medicamentos e muitas meninas já fazem uso dos hormônios e não tem acompanhamento adequado. A partir da resolução do CFM, os serviços de saúde são impedidos de cuidar dessas jovens.
Presidenta da Antra vê retrocesso nas mudanças
A presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides, afirma que a resolução do CFM representa não somente um retrocesso no direito de pessoas trans à saúde, como também a “afirmação de uma agenda transexcludente ao nível institucional”.
“O que estamos vendo é a institucionalização da transfobia e da negação de um direito básico assegurado pela Constituição, que é o direito à saúde, que não pode ser compreendido apenas para pessoas trans adultas”, disse à Agência Brasil.

Em abril, a Antra compartilhou uma nota pública em repúdio às mudanças promovidas pelo CFM. Atualmente, a publicação e uma denúncia feita pela Associação Mães pela Diversidade baseiam um procedimento instaurado pelo Ministério Público Federal (MPF) para apurar a legalidade da Resolução no 2.427.
Também em abril, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou uma nota técnica solicitando a revogação da resolução do CFM. No texto, a entidade defende o retorno da normativa anterior, a Resolução nº 2.265.
Arrependimento e destransição motivaram decisão, afirma CFM
À Agência Brasil, o conselheiro do CFM e relator da resolução, Raphael Câmara, afirma que há estudos divulgados desde 2020 — quando foi publicada a resolução anterior, n° 2.265 — relatando o aumento de casos de arrependimento e de destransição, o que motivou as alterações estabelecidas pelo Conselho.

“Estamos fazendo isso para proteger crianças e adolescentes que, às vezes, em muito baixa idade estão sendo submetidos a procedimentos absolutamente terríveis”, disse Câmara à Agência Brasil.
O conselheiro afirma que outros países, como Inglaterra, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Estados Unidos mudaram suas condutas e a nova resolução no Brasil vai totalmente ao encontro desses países.
* Sob supervisão de Danilo Duarte / Com informações da Agência Brasil