O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta -feira (6) o julgamento de uma ação que tem como origem o impedimento de uma mulher trans em usar um banheiro feminino em Florianópolis. O caso chegou à Suprema Corte em 2014 e só agora, 10 anos depois, pode estar perto de uma conclusão. As informações são do portal JusCatarina.
O julgamento será relativo ao Recurso Extraordinário (RE) 845779 – sobre o direito de transexuais serem tratados socialmente de forma condizente com sua identidade de gênero –, interrompido por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, na sessão plenária de 19 de novembro de 2015.
O recurso discute a reparação de danos morais a uma mulher transexual que teria sido constrangida por funcionário de um de shopping center em Florianópolis ao tentar utilizar banheiro feminino.
A matéria teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do STF, e a decisão atingirá os processos ainda em aberto e que abordem este mesmo assunto.
Até o momento, votaram os ministros Luís Roberto Barroso (relator) e Edson Fachin, pelo provimento do RE, a fim de que seja restabelecida a sentença de primeiro grau que condenou o shopping a pagar uma indenização de R$ 15 mil por ter retirado a transexual do banheiro.
Conforme os autos, o shopping forçou a retirada ao argumento de que a presença da pessoa transexual causaria constrangimento. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) entendeu que no caso não houve dano moral, mas “mero dissabor”.
Da tribuna do Supremo, falou a advogada da parte recorrente e, na condição de amigos da Corte (amici curiae), representantes da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), bem como do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) e do Laboratório integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos (LIDIS).
Os advogados afirmaram que a questão não deve ser tratada como um fato normal, pois houve discriminação e, portanto, o shopping tem o dever de indenizar.
Destacaram que deve haver uma política para assegurar proteção à vítima de violação de identidade de gênero, ressaltando a necessidade de se buscar uma sociedade mais igualitária com respeito a todos os cidadãos, sem distinção.
Minoria marginalizada
O relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, explicou que os transexuais, que estão incluídos no grupo dos transgêneros, constituem um grupo de pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo.
“O transgênero é alguém cuja identidade pessoal e autopercepção não correspondem ao seu sexo biológico”. disse.
Ele destacou que os transexuais são uma das minorias mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade e ilustrou a gravidade do problema ao observar que o Brasil é o líder mundial de violência contra trangêneros.
Segundo ele, a expectativa de vida de um transexual no país é de 30 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos, além de apresentar dificuldade de conseguir trabalho formal.
“O remédio contra a discriminação das minorias em geral, particularmente dos transgêneros, envolve uma transformação cultural capaz de criar um mundo aberto à diferença, onde a assimilação aos padrões culturais dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago para ser respeitado”, ressaltou.
O ministro avaliou que o tema não é simples no debate mundial, uma vez que diz respeito à igualdade na dimensão do reconhecimento e está relacionada à aceitação de quem é diferente, “de quem foge ao padrão, de quem é historicamente inaceito pela ideologia e pelos modelos dominantes”.
Para o relator, “destratar uma pessoa por ser transexual – destratá-la por uma condição inata – é a mesma coisa que a discriminação de alguém por ser negro, judeu, mulher, índio, ou gay.É simplesmente injusto quando não manifestamente perverso”.
Direito fundamental
Do ponto de vista jurídico, o ministro apresentou três fundamentos que justificam o reconhecimento do direito fundamental dos transexuais a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero: dignidade como valor intrínseco de todo indivíduo; dignidade como autonomia de todo individuo; dever constitucional do estado democrático de proteger as minorias.
O ministro observou que toda pessoa tem o mesmo valor intrínseco que a outra, consequentemente tem o mesmo direito ao respeito e à consideração. “A óptica da igualdade como reconhecimento visa justamente a combater práticas culturais enraizadas que inferiorizam e estigmatizam grupos sociais e, desse modo, diminuem ou negam às pessoas que os integram o mesmo valor intrínseco reconhecido a outras pessoas”, concluiu.
Para ele, é papel do Estado, da sociedade e de um tribunal constitucional, em nome do princípio da igualdade, “restabelecer ou proporcionar na maior extensão possível a igualdade dessas pessoas, atribuindo o mesmo valor intrínseco que todos temos dentro da sociedade”.
Segundo o relator, é necessário o reconhecimento do direito fundamental dos transexuais de serem tratados “como pessoa com respeito à sua identidade, que não é produto de escolha, mas é fenômeno da natureza”.
Tese da repercussão geral
Assim, o ministro avaliou que a mera presença de transexual feminino em áreas comuns de banheiro feminino, ainda que gere algum desconforto, não é comparável ao mal estar suportado pelo transexual feminino que tenha que ingressar num banheiro masculino.
Por essas razões, no caso concreto, ele votou no sentido de dar provimento ao recurso extraordinário a fim de reformar o acórdão questionado, restabelecendo a sentença que condenou o shopping a indenizar a transexual em R$ 15 mil, por danos morais. O ministro propôs a seguinte tese para a repercussão geral:
“Os transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”.
O ministro Edson Fachin acompanhou o voto do relator. No entanto, considerou que a indenização por danos morais deve ser aumentada para R$ 50 mil, além de o processo ser reautuado a fim de incluir o nome social da parte requerente.