Pessoas acusadas por crimes de homotransfobia não têm direito ao acordo de não persecução penal (ANPP), que pode amenizar a pena de quem cometeu o crime. Este é o ponto central de uma decisão recente da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar dessa vitória jurídica para a comunidade LGBTQIAPN+, o advogado Rodrigo Sartoti em entrevista ao Floripa.LGBT afirmou que há ainda a muito a avançar na lei e que “o direito penal não vai nos salvar da homotransfobia“.
Na prática, segundo Sartoti, essa decisão significa que o Ministério Público não pode oferecer ANPP para pessoas acusadas do crime de injúria qualificada pelo preconceito homofóbico ou transfóbico, e, caso ofereça, o juiz está autorizado a não homologar o acordo.
Desse modo, o STJ está apenas reforçando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), do ano passado, no qual foi entendido que não cabe ANPP em casos de injúria racial.
Como a homofobia foi considerada uma espécie de racismo na dimensão social, também pelo STF, a decisão do STJ é nada mais que uma interpretação dessa jurisprudência.
Apesar do advogado considerar a decisão do STJ uma vitória para a defesa dos direitos das vítimas de homofobia, ainda há muito para se avançar.
“Eu não acredito que o direito penal vá nos salvar ou nos livrar da homotransfobia. Mas, enquanto a nossa sociedade não puder prescindir do direito penal, entendo que esse instrumento precisa se usado de forma racional e proporcional para defendermos os bens jurídicos que realmente são importantes”, explica Rodrigo Sartoti.
Perguntado se essa decisão poderia influenciar na criação de uma legislação específica para crimes de homofobia e transfobia, o também presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Santa Catarina, argumentou que na atual conjuntura política do Brasil, onde o ódio aos LGBTs se tornou uma bandeira da extrema-direita, “seria impossível” o Congresso Nacional aprovar uma lei deixando ainda mais claro que a lgbtfobia é crime.
“Justamente por isso vejo essa decisão do STJ como importante, pois, nesse cenário de violência contra LGBTs, é fundamental que outras instituições do Estado ajam e façam aquilo que o Congresso não está fazendo”, concluiu o advogado.
Como se deu a decisão do STJ
O caso que acarretou na decisão do STJ, envolvia uma mulher acusada de ofender dois homens que estavam se abraçando em público, em Goiás. O Ministério Público de Goiás (MP-GO) sugeriu à Justiça um acordo, mas tanto a primeira instância quanto o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) recusaram a proposta, justificando a decisão com base na equiparação da homofobia ao crime de racismo.
O MP recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), argumentando que o TJ-GO teria ultrapassado suas atribuições ao rejeitar o acordo, contrariando o Código de Processo Penal.
Contudo, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do recurso, destacou que o ANPP deve estar em conformidade com a Constituição e não pode ser aplicado em casos de racismo ou homofobia.
O ANPP é uma ferramenta legal que permite ao réu primário, que tenha cometido crime sem violência ou grave ameaça, firmar um acordo com o Ministério Público. Por meio desse acordo, o acusado admite sua culpa e recebe sanções mais leves, como prestação de serviços comunitários ou pagamento de multas.
* Sob supervisão de Danilo Duarte